sábado, 11 de fevereiro de 2012

O papel social do carnaval

Não é segredo pra ninguém que carnaval não é mesmo o meu forte, e até já escrevi sobre isso por aqui. Pois bem, esse ótimo texto traduz exatamente tudo o que essa festa 'alegre e colorida' representa. Posso fazer destas palavras as minhas - vírgula por vírgula. Confiram:

Por Francisco Gutemberg Viajeiro


   "O Carnaval é sem dúvidas a grande festa do Brasileiro. Ele se prepara o ano inteiro para este momento “mágico” de devaneio e volúpia total. A Festa da Carne, como também é conhecida, estabelece comportamentos, quebra limites, movimenta a sociedade de maneira única, a corromper  o que pode se entender por  virtude, no que conclama algum incêndio a diversas bandeiras moralistas que sobrevivem na contemporaneidade.
   Inicialmente imaginado como o instante de agradecimento aos deuses pela fertilidade da terra, a farra do carnaval logo ganhou ares de culto à pujança, à beleza, à bebida e ao sexo. Do Egito antigo (4 mil anos antes de Cristo ), quando se homenageava a deusa Ísis e se celebrava, ao redor de uma fogueira, um instante de confraternização entre as diversas classes sociais, o Carnaval chegou a Veneza, de onde se espalharia para todo o mundo, com as cores que marcariam, definitivamente, a sua história.  É na Veneza do Séc. XV que a festa tomou as características atuais, com suas alegorias, fantasias, máscaras, desfiles etc.
   Trazido de Portugal, via Ilha da Madeira e Cabo Verde, o Carnaval aporta em terras tupiniquins em 1641, trazendo na bagagem toda a alegria e irreverência típicas da festa. Mas é apenas no Rio de Janeiro de 1840 que ocorre o primeiro baile de salão. Já os primeiros clubes carnavalescos esperariam mais um século para surgirem. Na Bahia, diferentemente do Rio de Janeiro, ganhou força o carnaval de rua, dos afoxés (classe popular, pobres) e dos clubes (das elites). Contudo, a maior invenção do carnaval baiano estaria no aparecimento do Trio Elétrico de Dodô e Osmar, em 1950, algo que consagraria de vez o carnaval popular e de rua. 
   Para um melhor entendimento cronológico dos eventos relacionados ao carnaval da Bahia, poderíamos dividí-lo em 5 fases. A primeira refere-se ao seu nascimento, sua gênese, em finais  do séc. XIX, marcada pelo aparecimento dos primeiros afoxés; o segundo grande acontecimento, já na  década de 50 do século passado, é a invenção do trio elétrico (Dodô e Osmar); nos anos 70, vêm os blocos de corda, como os Novos baianos, Corujas, Jacú, Lords etc.; na década de 80 temos o aparecimento do fricote (Sarajane e Luiz Caldas), precursor do Axé music, ritmo “genuinamente baiano” (como passaria a ser lembrado) e considerada a maior de todas as inventividades musicais da boa terra até então.
   No caminho de uma possível compreensão de significados que carrega o carnaval da Bahia na atualidade, é importante nos determos na década de 80. Este é um momento histórico para o país, quando ocorrem diversos fatos sócio-politicos de magnitude suficiente para alterar, de forma bastante significativa, as relações de poder. É o momento da chamada “abertura politica”, da chegada e implementação de um novo modelo politico-econômico (neo-liberal) que, orquestrado nos EUA e Europa, estabeleceriam regras não apenas comerciais (quebra de barreiras alfandegárias), mas especialmente comportamentais, articuladas que são ao eterno projeto de manutenção do status quo, de quem domina e apadrinha, de quem com uma mão afaga enquanto a outra rapa.
   O Carnaval contemporâneo também é resultado de todo este processo de readaptação do Poder, travestido na vertente da festa, do grito inebriado, moldado numa formulação de imagens, de movimentos, cores, zumbidos, néons, tambores, confundidos com uma pretensa “cultura baiana”, que encantam os olhos e os frágeis ouvidos da massa, do homo festivitas, do homo consumus. O modelo operacional do projeto político-econômico necessita de variados recursos que o viabilizem, e, neste sentido, atrelado à idéia de formação do indivíduo (sua pacificação e confecção de opinião), o Carnaval, e todo o seu arcabouço sedutório, são ferramentas importantíssimas na preservação do sistema de Poder que interessa ao Capitalismo. 
   Autorizado pelo Estado e pelos veículos de comunicação, ou diria melhor, pelo mando das cinco famílias que detêm o poder da verdade no Brasil (Marinho, Frias, Macedo, Saad e Abravanel) a “Festa” foi concebida para atrair multidões de todos os lugares do Brasil (e do mundo), movimentando somas astronômicas que enriquecem empresários do ramo de cervejaria, hotelaria, agenciamento turístico, bem como alguns poucos escolhidos que atendem pelo singelo nome de “artistas” baianos (eleitos a cada ano por algum canal de TV, na figura de um seu qualquer expert em cultura e arte).
   Em nome da alegria, da tradição e, principalmente, do lucro, digo, do emprego, atestam os governantes que o Carnaval traz progresso e dividendos, no que se excluem, talvez por um lapso de memória, a informação de para onde segue o grosso destes dividendos. Progresso este inclusive bastante perceptível no aumento da renda dos empresários e do número de menores e indigentes catadores de latinha que enfeitam nossas ruas, ao lado dos belíssimos trios elétricos, a cada fevereiro.
   Rebelar-se contra a falsa unanimidade, insinuar uma pequena que seja insurreição a desfavor do Carnaval, é quase um sacrilégio, diriam os discursos de bolso. Se você não gosta da festa, cale-se, mude-se, sob pena de parecer louco ou pecador.  È como querer a aventura de dizer que a nossa imprensa não tem autoridade para afirmar nenhuma questão sócio-politica-econômica, porque bancada pelos que ganham com o flagelo da ignorância das massas, e ser imediatamente calado com um murro na boca dos que sustentam a máxima da “Liberdade de expressão” ou aquela  “Não vão calar a nossa voz, pois a imprensa é a voz do povo e ele não se cala.”. Ou seja, roubam a posição de vítima do desgraçado que lhe ensaie qualquer ameaça, colocando-o no seu devido lugar, no lugar do ostracismo e do ridículo.
   Uma festa que emburrece, enquanto imbecializa, arrasta a massa, literalmente, que atende à demanda e à hipnose, ao sorrateiro chamamento televisivo do jornalista estupidamente maquilado do Jornal do Meio Dia da TV Bahia, no caminho da turba enlouquecida, a qual se envolve de alma e corpo na dança frenética e ridícula, no agitar de braços, pernas e bundas, em manifestações que atendem à insanidade rítmica do trio elétrico, na agressão gratuita à sexualidade feminina. Assim é o carnaval da Bahia, um grande puteiro a céu aberto, legalizado, fedendo a mijo e ao mau hálito dos paulistinhas branquelinhos que todo fevereiro aqui vêm. E o que sobrar desta conta deve já ter sido investido na Bolsa de Valores de São Paulo ou quem sabe Nova Iorque, como resultado de lucros justos e honestos de quem acredita na alegria do povo e sua saúde mental.

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