domingo, 29 de janeiro de 2012

Inversos

Tanto rancor nunca te levou a nada
Só fez deixar amargo o seu coração
Eu sei que seus dilemas te atormentam
Afoga seus olhos em ilusão
O afago que acalma sua alma
Aos poucos te destrói
Te abraça o melhor dos venenos
Te oferece o pior de você

Não vale a pena insistir
Ou tentar ser um herói
Sua vocação é se destruir

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Desconstruindo: os valores das famílias estão se perdendo

   O que os saudosistas mais gostam de repetir por aí é que "antigamente as coisas não eram assim, era tudo muito melhor, nada mais será como antes, os valores estão se perdendo, pererê, caixinha de fósforo", e como geralmente eles carregam um discurso quase infalível, conseguem convencer todos quase todos de que, realmente, estamos declinando.
   Compreendam, eu não tô querendo dizer aqui que o mundo tá mil maravilhas, que tudo mudou pra melhor e que, viva, estamos numa sociedade sem problema nenhum. Eu não surtei. Eu gosto de músicas e filmes de décadas passadas, moda vintage (ahh, os chapéus!), coisa e tal, mas não sejamos hipócritas, não vamos lançar mão do novo e fechar os olhos pra todas as inovações. 
   Por isso o Insano Mundo Estranho fará uma série de postagens despretensiosas para discorrer sobre cada um dos clássicos dizerem retrógrados.  

"Antigamente a família era o centro de tudo... os valores familiares estão se perdendo, não há mais moral, estamos perdidos!"

   Essa é uma das mais recorrentes frases ditas por aí. Mas vejamos, os valores mudam, se transformam, e isso não quer dizer que tudo está acabado. Vivemos numa sociedade que começa a compreender que 'família' tem significado plural, e não quer dizer somente que é  um grupo formado por pessoas que têm parentesco e carregam 'o mesmo sangue', mas sim, que é um núcleo de pessoas que convivem, partilham e se gostam. 
   A desmistificação do casal padrão heterossexual abre espaço para compreensão da possibilidade de entidades familiares geridas por um casal de duas mulheres ou dois homens. A emancipação das mulheres possibilita também que elas possam morar sozinhas, tenham o poder de decidir se querem casar, ter filhos ou quantos filhos terão. Além disso, as novas famílias se tornam amplas, fundamentadas na soma, desde filhos de outro casamento, até um grupo de amigos que moram juntos. 
   O casamento eterno é ainda muito idealizado e admirável, mas o divórcio possibilita o desenlace de pessoas que não mais se amam, não mais são felizes juntas e têm o direito de prosseguirem suas vidas, sem a necessidade de morais sociais ou contrato as obrigando serem infelizes. Além disso, desmistificar tradições familiares que muitas vezes limitavam os filhos a seguirem os mesmos passos dos pais, abre portas pra individualidade, para a escolha, sonhos e realizações.
   Não é que a família tradicional acabou - até porque ela ainda representa a maior parcela na sociedade - e muito menos que ela vai ou deve acabar, mas sim perceber que pode haver novas formas de famílias, que têm seus valores e morais, não significando que são entidades amorais a parte da sociedade.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Victor londrino

   Quando a gente lê um livro pelo qual nos apaixonamos e, posteriormente, ele é adaptado pro cinema, geralmente ficamos ansiosos para ver o resultado do filme, e não raro nos decepcionamos. Mas esse não foi o meu caso com Carne Trêmula, foi o caminho contrário, e sem decepção.
   Foi por causa de Almodóvar que resolvi ver o filme, sobre o qual já discorri por aqui anteriormente. Não posso dizer exatamente que me apaixonei e nem que foi sua melhor produção, mas a trama me seduziu, e diferente da maioria das películas do diretor espanhol, Carne Trêmula não traz um tom leve nem por vezes cômico, é com um clima denso que ele nos apresenta a história de Victor, um tímido entregador de pizza que, mesmo inocente, fora condenado a prisão.

   Andando pela Bienal do Livro 2011, me deparei com uma capa que trazia o título Carne Trêmula, o que logo me chamou a atenção, e em letras destacadas vi escrito 'O livro que deu origem ao filme de Almodóvar', não tive dúvida de que deveria comprá-lo, e assim fiz.
   Ao ler as primeiras páginas da obra escrita por Ruth Rendell, esperava ver a mesma história do filme, imaginava que nada seria mais novo pra mim, e só me debruçaria sob sua leitura a fim de relembrar o conto. Mas, já no primeiro capítulo, minha expectativa foi quebrada, Victor não era um simples entregador de pizza e nem entrou no apartamento porque se encantara pela jovem proprietária. O Victor da literatura era um estuprador, que invadiu uma casa por ele desconhecida por motivos ainda não esclarecidos. É surpreendido por policiais, e as ações decorrentes mudarão a sua vida.
   Após dez anos na prisão, Victor é solto por bom comportamento, e é sobre suas primeiras semanas em liberdade que as 275 páginas discorrem. Quando é reintegrado à sociedade, ele fica obcecado pela vida do policial que havia intervindo na invasão da propriedade anos atrás, e o sentimento que carrega por esse homem oscila intensa e freneticamente. A narração literária discorre sobre um jovem atormentado, impulsivo e um tanto desorientado, engolido pela solidão, pela ausência de laços fraternais e alheio ao mundo.
   Rendell relata os fatos com cuidado, descrevendo com perfeição os ambientes, exibindo de forma minuciosa os acontecimentos, o que não me deixou desgrudar do livro. Quando o findei foi quase uma sensação de vazio, um apego aos personagens e uma impressão de que aquela história é viva.
   No livro, assim como no filme de Almodóvar, Carne Trêmula é delicioso. Mas não se trata da mesma história, são sentimentos diferentes que elas despertam. Não reencontrei o Victor espanhol, mas conheci um outro, diferente, o Victor londrino.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Folha em branco

   São com as folhas do caderno em branco que começa o ano, e a promessa de que os escritos vão ser feitos com zelo: caneta colorida, letra legível, tamanho certinho, tudo alinhado. Começamos com pretensões, planos e mobília nova. Pinta-se as paredes da casa, troca os móveis de lugar, faz um novo corte de cabelo.
   Os meses vão passando e as canetinhas coloridas vão se perdendo, as letras minuciosamente desenhadas dão lugar ao desleixo, a pressa, até se tornarem garranchos. As roupas novas não estão tão novas mais, a preguiça impera, os planos são deixados de lado. 
   As folhas da agenda vão estar amassadas em dezembro: rabiscadas,  com marcas de café derramado sem querer. Mas limpinhas é que não podiam está, são os garranchos e arranhões as marcas do que a gente fez.