segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Preciso falar de 'Que Horas Ela Volta'

Faz tempo que não falo sobre filmes por aqui (na real, faz tempo que escrever aqui se tornou inconstante, principalmente no que se refere a textos-além-de-poesias-e-composições). Talvez um dos motivos que me fizeram diminuir a constância de falar sobre filmes no blog (além do fato de que tenho assistido, em geral, poucas produções), é que, findada a faculdade de jornalismo (que me possibilitava bastante proximidade do curso de cinema, já que andava na turma e assistia às aulas, além de ter várias matérias e trabalhos de audiovisual) e me dedicando apenas ao lado prático da profissão (o que acaba limitando-me à área que atuo no momento - que não passa próximo ao vídeo), fui perdendo um pouco do olhar mais técnico do cinema e restando mais a parte crítica conteudista mesmo.
Enfim. Pouco tempo atrás li o livro, assisti o filme e pensei em escrever aqui sobre 12 Ano de Escravidão. Mas acabou que o tempo foi passando e terminei não escrevendo. Já essa semana, finalmente, assisti Que Horas Ela Volta, e dessa vez afirmei que 'precisava' falar sobre esse filme (não que meu texto seja assim tão importante).


É com uma linguagem simples e bastante direta que a diretora Anna Muylart nos apresenta a Val, personagem belissimamente interpretada por Regina Casé. Ela é uma empregada doméstica natural do Recife, mas que há mais de uma década mora em São Paulo, onde trabalha em uma casa de classe média alta e vive na residência dos patrões. Val cuida do Fabinho (filho dos patrões) com zelo, quase que substituindo o papel da mãe biológica do menino, porém, pra isso, não pode criar a sua filha Jéssica, que mora com uma tia em Pernambuco e para a qual a empregada manda dinheiro todo mês. O filme fala sobre o drama de milhares de mulheres pobres que para 'ganhar a vida' cuidam de crianças ricas, tendo que comprometer a criação de seus próprios filhos.
A patroa 'Dona Bárbara' diz que Val é 'quase da família', mas percebemos que esse é apenas o discurso superficial típico da classe alta que acha um grandessíssimo favor tratar os empregados com o mínimo de dignidade, mas que na real sustenta um abismo social. Val não come na mesma mesa que os patrões, nem mesmo da mesma comida, vive em um quarto precário (mesmo que na casa tenha um quarto de hóspedes incomparavelmente mais confortável e que fica praticamente vazio), não pode entrar na piscina, é diminuída e conta com quase nenhuma consideração. Vale ressaltar que o personagem Carlos, o patrão, quer demonstrar a imagem social de 'moderno-artista-mente-aberta', mas reafirma a todo o tempo a grande separação entre patrão e empregada.
É então que a filha de Val, a Jéssica, resolve ir pra São Paulo para prestar vestibular em arquitetura na USP, o mesmo vestibular que Fabinho vai prestar. É visto então, o novo momento social que vivemos, com pobres tendo acesso às universidades antes patrimônio intocável dos ricos (e também andando de avião).
Quando Jéssica chega e vai morar junto com a mãe na casa dos patrões, ela acaba por fazer uma reviravolta. A jovem não concorda com as normas da casa que enaltece as diferenças entre as classes, as questionam e as quebram. Jéssica representa, justamente, essa nova cara das classes mais baixas, que está lutando pela quebra das barreiras (SPOILER ON: inclusive a menina passa no vestibular, ao contrário do garoto rico. SPOILER OFF). Já Val, movida pela necessidade da vida, foi catequizada na doutrina da subserviência e ideia de que ela não merece tratamento melhor do que aquele. Os conflitos são colocados a tona. 
Junto a trama principal, Carlos começa a dar em cima de Jéssica, mostrando a ideia classista e machista de que: a empregada não merece um bom tratamento dele, mas a filha dela, que é bonitinhas e inteligente, merece uma 'maior atenção e bom cuidado', o que na verdade é traduzido em assédio.
Caminhando pro fim (SPOILER ON), Val descobre que Jéssica, ao vir estudar em São Paulo, deixou no Recife um filho, o que alerta para um fato na vida de muita gente, principalmente das classes mais pobres: a repetição de realidades por gerações. Porém, tendo passado por o afastamento de mais de dez anos da filha, Val não quer que isso se repita, e seu posicionamento diante disso representa o rompimento com a família para a qual trabalha (SPOILER OFF).
Pode ser que ao assistir Que Horas Ela Volta alguém discorde de meus posicionamentos e o enxergue sob um outro prisma. Mas valerá de toda forma assistir e por isso recomendo muito, seja pela crônica social ou pelo simples admirar da sétima arte.





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