domingo, 20 de novembro de 2011

Sem maquiagem, desajeitada e fala pouco

   Em meio aquele silêncio mórbido ouvi uma zoada, me lembro, um som rouco, batidas repetitivas, na verdade era só um 'toc toc' (som de alguém batendo na porta, segundo os quadrinhos), mas soava como uma risada maquiavélica, um som conturbador, daqueles de filmes de terror. E por soar tão intimidador assim, foi o medo que tomou conta de mim, daqueles tipos de medo que não encaramos, só apertamos uma mão contra outra, como se isso fosse resolver alguma coisa.
   Mas as batidas constantes me inquietaram, resolvi levantar da cama, calçar a havaianas e, arrastando o pé, ir até a janela olhar o que estaria causando aquele ruído. Era um ser meio torto, sandália de couro, magricelo, sorriso amarelo. Era a felicidade.
  A felicidade não é tão colorida como imaginamos, é em tons cinza e marrons, silenciosa, tímida, discreta, delicada, as vezes nem nos damos conta de que ela está ali. Os vaidosos se assustam: então é isso a felicidade? E riem esnobes. Os mais humildes a abraçam, recebem-na com maestria, oferecem uma xícara de café, as vezes até um pedaço de bolo. 
   A felicidade nem sempre leva sorriso no rosto, por vezes até chora, se entristece, se aborrece, fica confusa. Fala pouco, quase não se escuta, só conseguem ouvi-la quem se permite parar um pouco, sair da agitação, ir pra um canto mais calmo, tranquilo e sereno. Não faz alarde, não se veste extravagante. O pouco que fala, pronuncia com cuidado, como se estivesse com medo das palavras caírem, saírem bambas, e nesse ritmo 'tartaruguesco', diz assim: se quiseres chorar, chores, não plantes um rosto simpático sempre, pois desse jeito não alegras os outros, muito menos a si mesmo.
   Ela é sábia, disso eu já desconfiava, mas nem de tudo sabe fazer, não desenha com tanta perfeição, não é tão afinada assim, não sabe tocar violão, suas receitas as vezes passam do ponto, sua dança é meio esquisita, sua aparência não é de modelo - mas nem por isso usa maquiagem. 
   Quando eu a vi da janela estranhei aquela presença desajeitada, mas abri a porta, deixe-a entrar, fiz um suco, te dei biscoitos, mas ela recusou, tirou da bolsa uma garrafa de vinho barato, tomou um pouco, se deitou no sofá, e começou a ri, sem nenhum motivo aparente. E continua a gargalhar, até agora não sei o porquê, mas prefiro não perguntar, e lá precisa de motivos pra sorrir?

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