De todos os santos, cantos e ritmos
Cena alternativa ganha destaque e invade a programação cultural de Salvador
Por Emile Lira, Irani Nogueira e Vitor Andrade
A fama de “Bahia de todos os santos, encantos e axés” é velha conhecida. Assim cantou Moraes Moreira, em Chame Gente, clássico do carnaval baiano. Mas o atual momento artístico do estado, sobretudo de Salvador, permite que se faça um pequeno acréscimo: além de todos os santos, encantos e axés, a Bahia é também de todos os cantos e ritmos.
Mesmo tendo o axé como maior referência musical do estado, é no circuito de música alternativa que mais surgem novidades que ganham destaque na rotina cultural da cidade. O que começou como um movimento tímido, se fortaleceu e invadiu as casas noturnas, ruas, e becos de Salvador.
“A cena alternativa na Bahia já cresceu bastante. Nunca as cidades do interior dialogaram tanto com a Capital e vice-versa. O estado hoje tem diversos festivais, bandas de várias cidades que circulam e trocam tecnologias entre si” conta Cássia Cardoso, representante regional do Circuito Fora do Eixo. O projeto se trata de uma rede de trabalhos formada por associações ou coletivos responsáveis por fomentar a cultura, através da circulação e intercâmbio cultural dentro da sua estância (que pode ser municipal, estadual ou nacional). Apesar da autonomia para escolher a forma como trabalhar, geralmente os coletivos funcionam através da organização de núcleos internos responsáveis pela comunicação, articulação e distribuição de produtos (CD’s, camisetas de bandas, etc.).
O crescimento e estruturação do circuito viabilizou o surgimento de casas de show com programação voltada apenas para eventos de música alternativa. Na maioria dos casos, os espaços contam com apresentações de diversas bandas locais – desde grupos que estão começando, aos mais conhecidos pelo público.
Outro aspecto que aponta para o crescimento da cena é o aumento no número de festivais organizados para dar visibilidade e premiar grupos independentes. Entre eles, O Desafio das Bandas e o Arena 1 têm o objetivo de divulgar a produção musical de bandas independentes e favorecer o reconhecimento de novos talentos pertencentes ao cenário musical alternativo da Bahia. Para o estudante e fã do circuito, Wesley Sacramento, 20 anos, “a presença dos festivais contribui de forma grandiosa para a divulgação dos grupos. O público tem a oportunidade de conhecer o trabalho de outras bandas. Isso fortalece o cenário, é um movimento bacana”.
Na hora de apontar ferramentas que contribuíram para o destaque da cena, a opinião é quase unânime: a internet foi fundamental para chegar ao que se tem hoje. Aliado às produções cada vez mais freqüentes de videoclipes, o meio virtual permitiu uma divulgação extensa dos trabalhos. Dessa forma, o público começou a ter contato com o que essas bandas produzem, através de sites como o MySpace, YouTube e Palcomp3, usando a tecnologia a favor do compartilhamento da obra.
No entanto, alguns problemas ainda são visíveis. Para Alex Góes, cantor e dono da antiga casa de show Boomerangue, a dificuldade gira em torno do baixo retorno financeiro por conta dos ingressos baratos que dão acesso às festas. Alex acredita que “esse fato faz com que os empresários tenham um risco maior, e conseqüentemente, produzam menos eventos”. Além disso, ele alerta para a falta de espaço e mídia especializada. Flávio Guerra – vocalista da banda Ladrões Engravatados – acredita que ainda falta uma profissionalização do mercado alternativo: “Não acredito muito no crescimento de estrutura, ainda somos muito amadores. As bandas que se organizam para tentar realizar alguns eventos, mas ainda a falta de apoio é muito grande” revela. Léo Brandão, baixista da banda Maglore, defende que a mídia já tem dado mais destaque à cena, e acredita ser mais um benefício trazido pela inserção do trabalho dessas bandas em ambientes virtuais. “É uma tendência natural das mídias convencionais (rádio, TV, jornais impressos) buscar a interatividade, e quando elas pesquisam o que o público tá consumindo, o que sai é aquela banda que mais se esforçou em divulgar o seu trabalho. A abertura dessas mídias ao mercado independente é inevitável”.
Todos os cantos – Se no inicio, muito se falava sobre a hegemonia do axé, creditando ao gênero parte da responsabilidade pela falta de espaço para o surgimento de novas manifestações musicais, hoje a opinião começa a mudar. “O Axé music é um exemplo de organização, temos que nos espelhar no lado positivo”, defende Pablício, presidente da associação Cooperarock – projeto que visa desenvolver e divulgar o trabalho das bandas de rock e da cultura independente de Camaçari.
Defensor do termo “Cena Preferencial”, o produtor cultural e radialista André Simões se define como regionalista incurável e viu nascer o ritmo carnavalesco há mais de 25 anos. “A música baiana cresceu em uma direção, mas há uma infinidade de outras. Há algo novo e devidamente estruturado em Salvador que já está sendo reconhecido. Quanto mais nos preocuparmos com um gênero somente, menos dedicaremos tempo ao crescimento de outros”, defende.
Vocalista e baixista da banda Declinium, Oreah enxerga um circuito mais planejado: “O lance hoje tá bem mais organizado, mas eu acho que isso é resultado da persistência de algumas bandas e produtores, e do interesse da galera de conhecer coisas diferentes”. Fato é que as mudanças são visíveis, e felizmente, para melhor. Muito ainda se tem para fazer, mas sobre o futuro, a visão é otimista. Para André Simões “os grupos e artistas independentes foram à luta e criaram maneiras de se conviver com a dificuldade em mostrar o que se produz. Este resultado virá. Ou melhor, está vindo!” finaliza.
Mas o que é música alternativa?
“Música alternativa é um gênero que não tem muito espaço na mídia e um público diferenciado” define Flávio Guerra, vocalista da Ladrões Engravatados. São artistas e bandas que se sustentam de forma independente, sem recorrer à grande mídia ou a produtoras renomadas. Mais do que isso, música alternativa é experimentação, é apostar no novo e naquilo que muitas vezes não é comercial.
Estrelas alternativas
Mas não é só na cena local que a música alternativa se destaca. O grupo olindense Mombojó tornou-se referência da música independente nacional. A banda, que tem três discos gravados, já ganhou prêmio de melhor grupo musical (pela Associação Paulista de Críticos de Arte) e foi indicada como revelação (no Prêmio Rival BR), melhor clipe de MPB e melhor clipe do ano (ambas no Video Music Brasil, promovido pela MTV).
Outra banda que conseguiu a fama sem precisar recorrer a grande mídia foi a Móveis Coloniais de Acajú. O grupo brasiliense é sinônimo de música alternativa brasileira. Com quatro discos gravados, a banda já se apresentou nos Festivais Porão do Rock, Bananada e no Feira Música Brasil.