É sabido que 2010 foi ano de eleições presidenciais, e como podem perceber, em nenhum momento discorri sobre, talvez porque foi a eleição em que menos me empolgou. Lembro das últimas campanhas e das minhas fantasias nas caminhadas, no rosto pintado, na super energia e pretensões. Mas esse ano não foi assim, foi tudo muito frio, acho que o lado mágico acabou, as ideologias estão afogadas nesse mar de superficialidades.
Pois então, vim falar sobre a campanha presidencial; mas não vou fazer nenhuma ladainha defendendo X ou Y, quero me ausentar dessa responsabilidade, mesmo que minha escolha já esteja bem definida. Quero tratar de uma questão que ficou evidente quando chegamos ao esperado segundo turno: uma distorção da real intenção de uma eleição.
Há uma grande discussão religiosa que está tomando o espaço da real discussão política que deveria ser feita. Tudo começou com o posicionamento da candidata Dilma a favor da descriminalização do aborto, foi o estopim para uma grande arruaça de boatos e acusações. A ex-candidata Marina, como evangélica, surgia como o outro lado da moeda: a defensora dos bons costumes, e Serra adotava o mesmo posicionamento da verde.
Particularmente sou a favor da descriminalização do aborto sim, mas não é isso que fundamenta minha crítica. O debate extrapolou a questão 'aborto' e agora é muito mais uma questão religiosa, o 'ter fé'. Reforçado pelo boato online de que Dilma havia dito que mesmo sem a vontade de deus ganharia, boa parte da população religiosa está apontando o dedo para a candidata com todo o ar superficial, de quem é papagaio de mídia, afirmando que ela vai acabar com as religiões. Deste modo, acabou por fomentar ainda mais a polarização que surgiu.
No A Tarde de hoje, o doutor em história e professor da UNEB, Carlos Zacarias de Sena Júnior, escreveu um artigo com título 'O direito de não crer' e relembrou quando o então candidato a presidencia Fernando Henrique perdeu a eleição quando afirmou o seu ateísmo. O professor afirma que Dilma, mesmo sendo agnóstica, agora se diz católica, justamente por temer toda a revolta da população que já começava a rolar.
Um pesquisa estadunidense em 1999 mostrou que apenas 49% da população votaria em uma pessoa atéia, logo, 51% não votaria em um candidato apto e competente para administrar, pelo simples fato da sua descrença. No Brasil creio que não seria diferente, ou muito pior. O ateismo é visto ainda como algo abominável e de outro mundo, exemplo disso foi o pronunciamento de Datena em seu programa: logo depois de mostrar crimes bárbaros, foi categórico ao afirmar que só podia ser coisa de gente sem deus no coração; essa afirmação foi sem dúvida uma ofensa a comunidade atéia do Brasil, que não ficou calada.
Eu não tô aqui pra levantar bandeira do ateísmo não, respeito as escolhas das pessoas, e penso que crer ou não é uma questão super pessoal. Mas quero aqui questionar o laicismo em nosso Estado, que está apenas e simplesmente no papel. No tribunal temos que jurar sob uma cruz, nas casas legislativas em nossa frente vemos uma cruz, em todo canto tem uma bendita cruz, que não raro ainda vem com uma jesus ensanguentado; além de ser uma maneira terrível de representar sua fé, seria de bom tom levar em consideração que, mesmo sendo a maioria, nem toda a população é cristã, logo não é cabível que tais símbolos sejam uma representação social.
A nação brasileira, felizmente, não é carregada pelo ódio religioso (como pudemos notar no confronto 'judeus X árabes' em Israel - mesmo sabendo que o problema era muito mais que divergência religiosa), mas ainda assim é apoiada pelos ideais cristãos. Nesta eleição, momento democrático para uma escolha tão importante, o embate religioso prevaleceu ao laicismo proposto na constituição. Apoiar ou deixar de apoiar um candidato pelo simples fato dele não seguir as idéias cristãs tradicionais é uma atitude leviana.
A religião quando atrelada ao Estado sempre impedirá o nosso progresso e a democracia, leis referente ao aborto, homossexualismo, drogas, e tudo aquilo que fere aos ideais cristãos, serão vistas como 'coisa de gente sem deus no coração'. É preciso que nos livremos da venda que cobre os olhos da nação, e começar a ver as coisas com outro olhar, o laicismo precisa existir, é uma questão de bom senso.
Eu entendo a religião de uma outra forma, de uma maneira mais positiva do que você parece entender. Porém concordo, defendo e, se preciso for, milito em prol da laicidade do Estado (que só é vigente na constituição, e que da prática está tão distante, como vc bem demonstrou).
ResponderExcluirEstou até agora em choque com o anúncio de que Dilma redigirá uma carta que estabelece um acordo com os evangélicos, no sentido de não passar/apoiar nenhuma lei que vá de encontro aos interesses destes últimos.
Achei o fim da picada. Engraçado que há muito tempo eu não espero grande coisa do PT (não por desmerecê-lo, mas por entender o papel que ele cumpre hoje). Passei a não me assustar com as inumeráveis concessões 'em nome da governabilidade', mas a história desse acordo já foi longe demais.
Significa comprometer (ou, aproveitando a palavra do momento, 'abortar') uma série de debates que ainda nem começaram no Brasil, que até hoje não foram encarados com seriedade (descriminalização do aborto, casamento homossexual etc). Dizer que nada que contrarie o interesse dos evangélicos valerá no país é governar para poucos, é desprezar a diversidade de opiniões, pra dizer o mínimo.
Eu tô muito decepcionada com isso. Voto na Dilma, mas, depois disso, vou votar um pouco mais triste, por saber que a busca da laicidade foi ainda mais enfraquecida depois dessa atitude. O curioso é que eu gosto da Marina, e achei a sua candidatura uma boa candidatura. E eu sempre dizia que afora o primeiro motivo que teria para não votar nela (o fato de preferir o projeto PT/Lula/Dilma/aliados), havia um outro, que é ela ser evangélica. Não que eu tenha algo de pessoal contra os evangélicos, mas por conta do que isso representa simbólica e politicamente(fortalecimento do poder das igrejas, intolerância religiosa, laicidade indo pelo ralo).
Mas agora, vejam só, não tem mais Marina, mas a minha candidata, antes agnóstica, está aí para cumprir o papel de candidata cristã, porta-voz dos interesses religiosos...
Estou profundamente triste e desacreditada, porque pra mim não significa outra coisa além de atraso!
Parabéns pelo post. Beijos!
Devo ter me expressado errado, não vejo a religião de forma negativa. A religião como busca espiritual é super válida sim e respeito muito. Mas acho que questões religiosas não devem ser atreladas ao Estado.
ResponderExcluirEu também gosto de Marina, talvez mais do que Dilma, mas o meu aopio a petista foi por questão de projeto político.
Com tal declaração agora, vou votar nela um pouco mais triste também.
é uma pena tudo isso